terça-feira, 27 de novembro de 2012

Deus nos programou, e esqueceu a senha

Prometeu com o Fogo Divino - Heinrich Fueger
Ao meu amigo David Ayrolla

Ao ler uma coluna no blog Pavablog, especificamente no post “Somos programados para acreditar em Deus?”1, fiquei curioso e intrigado com a proposta do autor do estudo citado no blog. Segundo ele, todos nós somos “programados para acreditar em Deus” (ele não disse deuses), tão factualmente quanto nascemos aptos para andar ou falar. Apesar de não ser a proposta deste blog, fiquei analisando a proposta e não consegui discernir sobre ela. Como que algo empiricamente refutável como uma crença pode ser propenso a ser nato a alguém?
Vamos imaginar a concepção de um mamífero qualquer (coloco mamífero por ser geneticamente, fisicamente e ambientalmente mais parecido com o ser humano, assim facilitando a divagação, mas podendo ser aplicado a todos os animais2). Durante o início da gestação, na formação dos vários órgãos (pré-programados geneticamente), o cérebro vai se formando pelas milhares de ligações neurais, onde cada neurônio – seja do sistema nervoso central (SNC) ou periférico (SNP)3 – vai se ‘ligando’4 ao outro pelo fato de, dentre outros, ter menos espaço dentro da caixa craniana ainda em formação. Assim, ao se ligarem, dois neurônios vão fazer uma simples troca química, que foi inicializada por uma pequena descarga elétrica residual através da bomba de sódio e potássio (uma troca de eletroquímica na membrana do neurônio). Essa descarga força o neurônio a despejar determinadas substâncias químicas (hormônios, por exemplo) e, assim que ‘captado’ pelo outro neurônio, cria uma relação interdependente entre estes.
Assim, podemos explanar o qual é “acaso” as ocorrências para a criação de um feto. O gene diz a forma da célula e, enquanto ela cresce e se junta pelo espaço reduzido e forma a massa encefálica – o cérebro. Dessa maneira, podemos começar a compreender que o gene não nos programa para sermos humanos de maneira direta, mas para que cresçamos de forma a nos tornarmos um.
Esses impulsos elétricos antes citados – e muitos pelo crescimento do SNP – acabam por gerar contrações nos músculos do corpo do feto que, com estes movimentos involuntários, criam (o que chamaremos aqui de) as respostas. Essas respostas são as interpretações cognitivas do cérebro em razão da ação física que o próprio cérebro – ou seu sistema – causou. Por exemplo: um impulso elétrico neural causa uma contração nos músculos da perna (ou protoperna) do feto. Esta acaba por ‘chutar’ as paredes de onde está. Assim, como resposta do ambiente onde o corpo do feto esta inserido, a perna sente o toque do útero, retransmite a informação ao cérebro e este interpreta como um limitante no ‘caminho’ desta perna. Com uma quantidade muito grande de ‘experimentos’ como este, o cérebro começa a compreender e, principalmente, moldar o ambiente à sua volta. Este exercício do cérebro permite que o corpo esteja protegido, pois, assim, o crescimento e formação do cérebro vão trabalhando para moldar-se conforme o ambiente se mostra.
Essa intencionalidade um aspecto curioso na formação do ser vivo: este se molda pelos aspectos do ambiente juntamente à sua carga genética e, assim, ele descobre as melhores maneiras de manter o próprio organismo, seja facilitando a captação de alimentos, a evacuação de dejetos e protegendo este (organismo) de influências externas.
Bem, a partir de agora a palavra chave é facilidade. Ao nascerem muitos animais estão prontos para correr, se alimentar, brigar, chorar instantes após o parto. Os equinos em geral nascem prontos para andar, o que lhes facilitaria para ‘manter o organismo’, fugindo dos predadores. Certo, o que aquele autor citava no post referido era sobre nascermos prontos para crer em deus, mas não disse como.
Uma criança humana sempre estará suscetível a acreditar nas histórias que são contadas para elas, pois isto lhe explicaria uma compreensão do ambiente a sua volta. Ou seja, a criança acredita no que é mais fácil de acreditar, de aceitar, pois suas formações neurais não estão completas, e qualquer explicação mais detalhada e cheia de contrastes de compreensão denotaria uma necessidade cognitiva maior do que esta criança possui.
E há também a velocidade da informação chegar ao centro nervoso do ser. Ao enxergar determinado algo, a luz reflete no objeto, passa pelo cristalino do olho, inverte-se no fundo do globo ocular, passa pelo sistema nervoso ótico e chega ao córtex cerebral, que ‘enxerga’ o que os olhos veem5. Mas este sistema todo leva em torno de 0,2 segundos para ocorrer, o que seria catastrófico para o organismo em determinados momentos, como um predador a espreita ou um automóvel em alta velocidade, pois estes podem ocorrer em muito menos que 0,2 segundos. Então, o cérebro precisa “prever” determinados acontecimentos, ou no caso, intuí-los. Essa intuição se dá através das ligações neurais (e, entenda-se ligações não apenas como junção – mesmo porque os neurônios não estão juntos, estão próximos – mas como um neurônio desprendendo substâncias químicas e o outro captando-as) que desde o início da criação do feto até aquele momento do ser foram sendo feitas, criando ‘um caminho’ para a decisão deste. Não apenas a visão, mas todos os sentidos deste ser serão inconscientemente (ou não) utilizados para realização desta intuição. Intuir é perceber de maneira instintiva, ou seja, é a interpretação do cérebro através daquilo que ele percebe desde antes de nascer. Isso não vem do além.
Daí então a facilidade de se crer em deus ou deuses criando, vigiando, cobrando, acariciando e melhorando (ou não) a vida das pessoas. O erro de conclusão do autor se deu, pois suas conclusões são baseadas em estudos antropológicos, e deixam de fora a compreensão da criação real do indivíduo. Talvez, se ele colocasse que “a sociedade nasce programada para crer em deuses em alusão as dificuldades de se compreender o ambiente”, aí sim faria sentido, mesmo sendo incompleto e merecendo uma nova e minuciosa análise.


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