domingo, 13 de outubro de 2013

Necessidade relativa

A Calm at a Mediterranean Port - Claude-Joseph Vernet
“Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo.”
Jean-Paul Satré

As pessoas possuem, assim como tudo que há, necessidades intrínsecas a sua formação (criação, feição, crescimento e desenvolvimento), vivência e convivência. Podemos pensar sobre a necessidade que nós, seres humanos especificamente, temos de água, comida, ar, sexo, apego, opiniões (na maior parte a nossa mesmo, mas muitas vezes as dos outros) e a própria convivência em sociedade. Mas estas necessidades são concretas, reais para a manutenção do status de sermos vivos. Mas e quando esta necessidade extrapola esta percepção clara e advém – ou anda pela rota da compreensão – subjetiva e metafísica? Realmente isto é necessário?
Somos em essência e, como ditos anteriormente, fadados a uma necessidade real de subsistência para manutenção não apenas de nosso corpo físico e ações materiais, mas para a convivência real em sociedade, que evolutivamente nos concedeu as vantagens de se viver nela. Conseguimos melhorar nossa situação vivendo em sociedades, pois temíamos menos os predadores, nos aquecíamos melhor, alimentava-mos-nos melhor (pela caça e, após, pela plantação e criação; a vivência em sociedade nos permitia isto) e, não menos importante, nos auxiliava a nos mantermos unidos contra outros grupos sociais que viam em nosso subjulgo um meio deles crescerem – isto quando nós não decidíamos fazer exatamente igual aos “malvados dominadores”.
Toda esta concepção da necessidade é muito bem descrita por Richard Dawkins em seu célebre livro “O Gene Egoísta”, onde este descreve, de maneira pormenorizada, a necessidades gênicas inerentes à cada modulo da vida e suas consequências nas sociabilização deste indivíduo (isto quando o mesmo a possui, claro). As formações de determinados compostos químicos e sua complexibilização nesta crescente formação acabam por criar ações muito específicas destas moléculas. Estas, por sua vez, em conformação físico-química, espacial e por forças elétricas e térmicas, criam a consequência de se haver vida. Sendo assim, toda e qualquer ação instintiva do ser possui por vertente a manutenção desta, uma vez que – e é importante frisar este ponto – o desfazer desta condição de vida acarreta na própria não existência, o que iria ao encontro da noção, inclusive, da manutenção das forças intermoleculares, onde estas ações físicas tendem a manter unidas estas matérias. Assim, extrapolando a concepção destas forças, elas nos chegam ao inconsciente (e consciente) de que a manutenção da vida é manter estas forças funcionando de maneira simples e natural; desfazer da vida seria quebra esta harmonia. Natural que, no grau de compreensão da racionalidade humana, tendamos a ampliar – ou até mesmo desambiguar – esta noção, para algo místico e intangível. E este é o ponto central deste texto.
Tudo que foi descrito até agora se refere à necessidade real do ser e suas consequências naturais. Mas as necessidades acabam por, no limiar de nossa evolução e diferenciação social, a se tornarem mais complexas e intrincadas, como charadas lógicas, mas quase sempre desnecessárias, numa visão mais universal. Acabamos, pois, por desenvolver a necessidade de necessitar, onde algo precisa ser explicado através de uma subcompreenção do natural. O maior exemplo que podemos encontrar na história humana são as produções de seres divinos, que são encontrados em quase a totalidade dos povos, tribos, reinos e impérios, e ainda hoje é vigente sua existência e extrapola os âmbitos da razão e do conhecimento, bem como sua imputação àqueles que não se veem necessitados disso (não apenas descrentes adultos, mas crianças não precisam destas crenças).
Algo que encontramos com certa facilidade é a evocação de que “a alegria da vivência em deus é indescritível” ou quando pessoas negadamente céticas veem-se “curadas” de problemas estatisticamente compreensíveis. Estas pessoas compreendem a si a magia da divindade não apenas por lhes ser “real” e nítido vívido – é quase impossível negar a sensação que esta pessoa sinta seja, efetivamente, falsa – mas como inerente a um conjunto de regras que devem ser anteriormente realizadas para a obtenção daquela. Estas regras são, em geral, romanceadas e cheias de vieses místicos, que se sobrepõe a realidade funcional e observável. Estatisticamente, a maior parte destes ocorridos é facilmente explicado e conjecturizado, o que nos levaria a uma verdadeira conclusão de remediação do problema, prevenção da causa e até mesmo estudos mais eficientes sobre males parecidos e novas relações benéficas. Mas o ambiente de convívio destas pessoas costuma ser muito restrito, e suas visões sobre problemas e soluções seguem este mesmo padrão: um problema surge, o mesmo é resolvido de maneira enigmática – visto que o próprio problema o é – e a falta de compreensão estatística os leva a ver aquilo como algo além do que, de fato, possa realmente ser.
Esta necessidade de querer atribuir as resoluções enigmáticas em suas (ou falta de) abstrações se faz posta no entendimento como algo implicativo ao saber, assim, eles necessitam necessitar destas ideias.
Outro exemplo muito comum que podemos adicionar a isto é o Desígnio divino (Design Inteligente) e O argumento do relojoeiro de Paley, onde as contextualizações baseiam-se em premissas curiosamente analíticas, mas falaciosas no que tange suas conclusões práticas e sua intenção apologética de subverter o que já se é compreendido dentro das ciências naturais. O primeiro diz da ‘beleza’ da formação dos seres vivos e da natureza da existência (ignorando propositadamente e indubitavelmente os desafios diários de se lidar com próprias limitações físicas inerentes vida e sua manutenção) e que algo tão ‘perfeitamente’ hermético não poderia estar presente sem a existência e prestação de algo maior e melhor, desenvolvendo-o, sendo assim, Deus. O segundo corrobora com a intenção do primeiro, onde propõe a analogia da produção metódica e precisa de um relógio, onde “um relógio de pulso é complexo; um relógio de pulso teve um planejador inteligente; a vida é complexa; portanto, a vida também teve um planejador inteligente.”1 Não cabe aqui discutir, ainda mais de maneira metódica, a alienação impregnada nestas afirmações e seus erros conceituais, tanto epistêmicos quanto filosóficos, mas sim notar-se que, às pessoas, estas necessidades não são mais do que frívolas para uma compreensão – como já dito aqui – universal, mas para a individual, mais necessariamente de alguém com limitações  das atenuantes espalhadas pela existência e que não lhes é permitido interpretar.2
No curso destas noções, estas necessidades passam muito mais pelo campo da interpretação de si mesmo do que da interação ser-ambiente. Fazê-la entende-se analisar o ambiente e as ações do ser sobre e em função dele, ao contrario de suas sensações, desejos e ideais implícitos sobre si e utiliza-los para prescrever o natural.

Existem, por tanto, as necessidades relativas a se postar num ambiente, numa situação, num grupo social. Estas necessidades – por “ter que se colocar assim (postar)” – são necessidades relativas, e não efetivas. Estas necessidades não são de fato importantes para a ocorrência da vida e de sua manutenção, mas relativizadas às ingerências do ser, do indivíduo e de sua visão de mundo. São também independentes de quaisquer afirmações lógicas, livres de amarras epistêmicas e materialistas, o que as torna quase impossíveis de serem aplicadas a todas as pessoas, em contrapartida da necessidade real de se aplicar algo que faça o bem a todos. Pode-se, por exemplo, conceber a necessidade de um religioso em crer na providência divina quanto aos ocorridos diários e, fatalmente, a algo específico. Mas prevenir-se através da necessidade de estudar ocorrências anteriores e aplicáveis à totalidade humana é, de maneira mais clara e prática, o ideal.

DAWKINS, Richard. O gene egoístas. Companhia das Letras. São Paulo. 2007


1 Mesmo que colocado no texto desta maneira, a segunda concepção é mais antiga que a primeira, pelo menos em sua contextualização mais utilizada.

Um comentário:

  1. não tem outro jeito vou ter que deixar nos favoritos rs
    Danilo Ferreira, Anônimo

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