quinta-feira, 2 de abril de 2015

Redução da Maioridade Penal: Antissocial e Inconstitucional

Futebol - Orlando Teruz
Muito está sendo apresentado a favor e contra a redução da maioridade penal no Brasil, através da PEC 171/1993 que foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal (CCJ), no último dia 31 de março.[1] Mas é possível repara que as discussões que tem sido travadas deixam de lado vários aspectos pertinentes e mais importantes a este assunto, ao qual tentaremos mostrar aqui.
Numa análise minimalista sobre este assunto da maioridade penal, poderíamos discutir que, sendo assim, esta redução não faria muita diferença, mas inibiria os casos isolados e exceções de ocorrerem, já que a maior parte dos jovens não entraria nesta vida. Análise equivocada. O problema é de médio e longo prazo. Qual o principal erro da redução da maioridade penal? Temos que compreender que toda e qualquer opinião a respeito deste assunto costuma se dar de forma emocional e específica, por pobreza de dados e levantamentos a respeito da conjuntura que envolve, além do próprio oportunismo de muitos lideres de algum movimento social ou político. Por exemplo: os crimes cometidos, no Brasil, por menores entre 16 e 18 anos chegam a 0,9 %, descendo a 0,5 % se forem levados em consideração somente os casos em que envolva homicídio e tentativa de homicídio, segundo último levantamento, de 2014, dos dados do Ministério da Justiça. Isto significa que teríamos um aumento ínfimo da população carcerária. Será mesmo? Possivelmente não. Nunca, em hipótese alguma quando lidamos com a forma em que a sociedade se move podemos descartar um conceito específico que potencialmente transformará uma problemática. Ou seja, não podemos achar que uma lei desta possa trazer benesses sem que a mesma não prejudique outros. Sendo assim, fica a questão de o que ela trará mais.
Um jovem infrator será jogado num mundo onde o mesmo terá às mãos as oportunidades de adquirir todo o tipo de conceituação criminosa e marginalizada que o levou até lá, mas muito mais acentuada e muito melhor trabalhada. Em poucas palavras, se tornará um bandido melhor. Aprenderá não apenas as melhores formas de burlar e transgredir a lei, como também compreenderá que a sociedade o excluiu desde cedo, e que esta seria a única maneira dele manter-se vivo, até mesmo (em sua própria concepção) sóbrio. E há também o aspecto de marginalização que tende a segregar ainda mais nosso convívio e preestabelecer conceitos rotineiros e irreais, como achar que apenas pobre é bandido e possuiria sequelas que os fariam ser bandido. E sabendo que a grande maioria dos pobres neste país são negros, o racismo ganharia uma aliada de peso com esta PEC.[2] Com esta PEC aprovada, será dado o “direito” de se ver pobres e negros como prováveis bandidos desde sua infância. Estas ocorrências dificilmente seriam levantadas em curto prazo, mas sentiríamos seus efeitos em breve, quando políticas sociais poderiam acabar por dar preferência a indivíduos que “não se perderiam no mundo do crime”. Pensar assim é esquecer que o mundo do crime atrai as crianças em última circunstância, quando este já se vê tão adentrado nela que não vê outra saída (um adendo importante: não importa que haja indivíduos que conseguiram sair deste vórtice de crueldade, pois a tendência não é esta e, este vórtice persistindo graças ao sistema social que vivemos e que os cria, sempre haverá mais e mais pessoas a serem sugados por ele[3]).
É sabido por muitos que a melhor maneira de evitar os crimes do jovem (e futuro adulto) é a educação, mas muitos têm crente de que esta lhe falta, que esta não lhe tem servido. O problema educacional no Brasil ele possui raízes muito mais profundas que apenas a falta de educação e da educação dos jovens. Nosso sistema educacional tem progressivamente melhorado nas últimas décadas, mas este sistema está inserido numa cultura que introduz a vociferação metica, onde os jovens (e muitos desde muito jovens) precisam alcançar metas, mostrar resultados e, assim, poder ser inserido na sociedade como lhe deve. E aqueles que não o alcançarem simplesmente ficarão à margem. Mas por que eles não conseguem? Por que as chances são mínimas, principalmente se você for ou pobre, ou morador de periferia, ou negro estas segregações se farão muito mais presentes no seu dia a dia. Para a segregação por parte daqueles que detém o poder econômico, político e até social, inclusive, você sendo de cidades pobres e/ou muito afastadas, não sendo do eixo sul-sudeste, este aspecto se intensifica. Estatisticamente, há muito mais chance de uma criança estar à margem da sociedade, de alguma forma, do que estar de fato inserido nela caso faça parte de um (ou mais, ou combinação) destes aspectos. Lhes é dito que, desde cedo, ou eles entram na cultura predominante ou eles nada serão, nada poderão, nada conseguirão.[4] Adivinhe que lhe oferece “outro caminho” (mesmo que, ainda em tenra idade, eles saibam que não seria à eles o melhor)?
Estes são os principais aspectos sociais que muito são ignorados pelos parlamentares e defensores em geral da ideia desta redução. Mas não os únicos.[5]
Mas há, ainda, o aspecto legal. É possível, legalmente e constitucionalmente, esta redução? Segundo o jurista Dalmo Dallari, não!

Para jurista, artigo 228 da Constituição, que estabelece a inimputabilidade penal de menores de 18 anos, é cláusula pétrea. “A proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar meninos de 16 anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos”.

Segundo a entrevista do jurista, concedida à repórter Anna Beatriz Anjos do Portal Fórum[6], o jurista afirma que a inimputabilidade penal de menores de 18 anos pode ser considerada um ‘direito e uma garantia individual’. Sendo assim, ele decorrerá no artigo 60 da constituição federal que classifica estes direitos e garantias como Cláusula Pétrea, ou seja, não passível de mudança e emendas (PEC significa Projeto de Emenda Constitucional)[7][8]. Nesta visão, qualquer mudança neste aspecto é vedada. Mas pode-se alegar, uma vez que se a CCJ da câmara federal aprovou, talvez não seja impossível esta emenda. Mas daí retornemos no que foi dito anteriormente neste texto: Temos que compreender que toda e qualquer opinião a respeito deste assunto costuma se dar de forma emocional e específica, por pobreza de dados e levantamentos a respeito da conjuntura que envolve, além do próprio oportunismo de muitos lideres de algum movimento social ou político. Não nos é plausível esperar que um grupo de políticos eleitorados (que sim, deveriam prezar pelas leis e suas construções) ajam assim quando algo que tem se tornado gritantemente assediado popularmente, seja analisado da maneira que lhe caberia, sério e estudado.
Mas tendo o jurista a razão com relação a estes termos, será obrigação da presidência da república vetar o projeto e o judiciário de acertar como inconstitucional e, assim, o mesmo não passar de mera disfunção antissocial que tardou a verborragiar, mas que estaria em seu devido lugar: arquivado.
Não se entenda que este texto visa minimizar a dor, o sofrimento e o medo que muitas pessoas passam em função de terem sido ou potencialmente serão vítimas de crimes cometidos por menores, mas tendo em vista os dados apresentados (e que mais detalhes são facilmente encontrados na internet) fica claro que o emocional não pode se sobrepor ao racional, criando-se o risco de que por exceções acabemos por criar meios violentos de marginalizar indivíduos numa sociedade já estratificada, já propensa rejeitar a maioria dos que ela deveria acolher. E isto que – e a muito é sabido de sua existência – o menor infrator é sim passível de punição[9], cabendo aos governos aplicarem o que é colocado no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma frase (atribuída) a Pitágoras pode ajudar na concepção mais ampla de nossa atual conjuntura: “Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos.”

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